“No mais minucioso artigo até à data dedicado ao tema das feiras bimensais da Palhaça, incluído em Palhaça – História dos Espaços Sociais e Comunitários [séculos XIX-XX], o autor, Carlos Braga, assume, desde o início, que a escassez de fontes orais e escritas sobre o assunto dificultam a compreensão do porquê da origem da feira – periódica e oficial – dos 29 na Palhaça, em Junho de 1715, data que coincidiu com «a festa anual do apóstolo S. Pedro» (como a literatura baseada em «tradições orais» parece comprovar). Porém, admite que, sobre as razões religiosas, comerciais e culturais, estará um motivo especialmente geográfico.
O na altura Mercado das Palhoças tinha lugar «numa praça que é a confluência dos Quatro Caminhos, a cerca de um quilómetro da [actual Igreja Velha]». Os ditos caminhos ligavam Águeda a Vagos e Aveiro a Coimbra. É bastante plausível a ideia de que a junção destas vias fosse bastante benéfica para o lugar da Palhaça, que inicialmente não era central. Ainda no século XVIII, o Mercado estender-se-ia para «o espaço triangular adjacente», após a doação à junta da paróquia deste terreno por Manuel de Oliveira [N: não confudir com o padre Manuel Oliveira], possivelmente o primeiro benemerente da Palhaça.
A construção da Estalagem do Quartel-Mestre, em 1750, em frente ao Mercado das Palhoças, poderá constituir um sinal de que era frequentada por gente de «longe» e da relevância da feira, embora Braga defenda a hipótese de «até 1865 a feira [ser] ainda muito incipiente», visto que, pelo menos, até aí as principais receitas da junta da paróquia provinham de outras fontes. O espaço, segundo o autor palhacense, «funcionava como ponto de paragem e descanso dos viajantes, se nos lembrarmos que em finais do século XVIII a velocidade média de uma diligência era de 3,4km/hora».
Quanto aos produtos vendidos e trocados neste mercado, o Dicionário Geográfico manuscrito de 1758 reúne num inventário «toda a casta de gados, tendas de bufarinheiros, buréis, panos de linho, estopa e de outras coisas mais para uso das gentes, e coisas comestíveis».
Relativamente à data precisa em que ocorreu a primeira feira dos 12, existem, no mínimo, duas versões. A mais verosímil, sustentada no cruzamento de várias informações escritas (actas e uma notícia da imprensa regional da altura), ao contrário da outra, apoiada em testemunhos orais, aponta o dia 12 de Janeiro de 1903 como o marco para uma nova era – a das feiras bimensais. E porquê duas feiras por mês? «(…) se uma das feiras se realizava no final da segunda quinzena de cada mês , fazia sentido que surgisse o interesse em marcar outra para o final da primeira quinzena», conjectura Braga.
O século XX é marcado por uma série de agitações, no que às feiras concerne, especialmente no período imediatamente a seguir à implantação da República. Em 1911, o vedamento da feira é envolto em polémica e não acontece. Havia, nesta altura, ainda quem exigisse uma maior transparência da Junta sobre os rendimentos da feira. Em 1923, chegam a existir três feiras mensais na Palhaça, o que é contestado por vários feirantes. Mais tarde, em 1978, as feiras móveis (alteração do dia de feira para segunda-feira quando os dias 12 e 29 «calhavam» ao domingo) também causariam comichão junto de, pelo menos, 109 feirantes, que assinaram uma petição para que as feiras voltassem a ser fixas. Antes, em 1949, dava-se a demolição de barracões de adobe no actual Largo de S. Pedro, precisamente no ano da construção do Coreto. E até 1988, os engarrafamentos provocados pelo trânsito nas vias públicas eram o prato principal em dias de feira. Nesse ano, a feira despede-se dos diversos pousos – «vários largos e ao longo das vias de comunicação» – onde se manteve durante décadas e concentra-se no antigo espaço da feira do gado, onde, até hoje, tem lugar.
Relativamente à origem dos materiais vendidos na feira, as respostas a uma série de inquéritos realizados entre 1982 e 1992 junto dos feirantes denotavam que as verduras e frutas provinham das hortas da Palhaça ou das na altura aldeias vizinhas, os ourives de Cantanhede e Anadia, as confecções de Aveiro e Coimbra e os sapatos, malas e chapéus de Oliveira de Azeméis, de Santa Maria da Feira e de São João da Madeira. Estes dados, apresentados meticulosamente no trabalho de Carlos Braga, permitem afirmar que as Feiras da Palhaça nunca foram mercado só de e para palhacenses. Aliás, os mercadores palhacenses raramente foram uma maioria.
Actualmente, a componente cultural e social das feiras da Palhaça encontra-se praticamente extinta, conclui Braga. Os pregões, os fantoches, os «propagandistas de pechinchas» e «as ciganas prometendo adivinhar a sina na palma da mão» mal se vêem e/ou ouvem. O comércio puro e duro é a ementa principal, mesmo que o número de visitantes e compradores esteja, a olhos vistos, a decrescer. ”
Fonte:http://www.freguesiadapalhaca.pt/home.php?t=ct&c=38